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“Advocacia não é um caixote do lixo”

ENTREVISTA Tomou posse há três meses e tem defendido os mais desprotegidos, seja nos fogos, na imigração ou no arrendamento. Internamente, está a ‘limpar’ a casa

João Massano não tolera injustiças. Quer tornar a advocacia melhor enquanto serviço e enquanto profissão.

Tomou posse a 8 de maio. Já arrumou a casa?
Uma casa como a Ordem dos Advogados não se arruma de um dia para o outro. Das situações que mais me deixaram preocupado foi ter verificado um elevado número de advogados com quotas em dívida e o volume de créditos que tínhamos. Não faz sentido.

Estamos a falar de quantos advogados?
Custa-me aceitar que mais de 13 000 advogados tenham quotas em dívida quando tomámos posse e que tal número de advogados devesse à Ordem 8 milhões e 55 mil euros. Estamos só a fazer contas até 2017. É um valor assustador.

É recuperável?
A partir do momento em que começámos a fazer interpelações e a dizer que se não pagassem teríamos de avançar judicialmente, tivemos pagamentos elevados. A solução é interpelação e cobrança judicial. Depois, analisar possibilidades de suspender o acesso a algumas ferramentas.

Como por exemplo?
Temos um certificado digital, que é pago pela Ordem. Colegas que não pagam usam o certificado. Se ele não existisse, não poderiam praticar atos, não poderiam trabalhar. Parece injusto. Tal como o seguro de responsabilidade civil obriga os advogados, ou seja, pelas quotas que pagam. Serve para, se algum advogado, por qualquer motivo, cometer uma falha profissional que origine prejuízo ao cliente, esse seguro vir ao seu resgate.

Quanto custa o seguro?
A Ordem paga 1 530 000 € por ano por esse seguro. É pago com as quotas e em benefício de todos. Mesmo que um advogado não pague quotas, tem acesso ao mesmo. Não pode ser.

Temos advogados a mais?
As pessoas que estão a acabar os cursos estão a ter muitas dificuldades em encontrar estágio. Tem a ver com a questão dos estágios obrigatoriamente remunerados. Quando antigamente se arranjava estágio e o advogado pagava a preparação, agora tem de ser remunerado. Isso é um problema, para quem custa uma secretaria, para pagar cursos. O Estado deveria dar uma ajuda. É uma maior problemática da formação e acesso à profissão. Custa-me aceitar que pessoas que querem fazer estágio não o consigam.

Há mais de 36 mil advogados. Não são muitos?
Tenho dúvidas em dizer se são muitos ou se são poucos. Defendo que a Advocacia deve posicionar atendendo às competências específicas. Quem é bom deve ter oportunidade de seguir em frente.

Se não for bom, deve ficar pelo caminho?
Aí defendo algo que não é popular na minha classe, que é uma ação disciplinar mais forte relativamente a quem, por exemplo, fica com dinheiro de clientes. Não pode continuar na profissão. Para mim é óbvio. E, nesse sentido, o processo disciplinar tem de ser mais rápido a limpar, entre aspas, a classe. E depois a classe não pode ser o caixote do lixo das profissões jurídicas. Não pode. Se alguém é expulso de uma profissão jurídica, tem de se ver bem o que motivou a expulsão.

O mercado de trabalho é limitado, mas pode haver oportunidades em outras áreas…
Exatamente. Estamos em grande mutação. A questão da IA e a forma como ela vai influenciar a nossa classe, por exemplo. A IA é cara e quem tem acesso são as grandes sociedades.

Prescindiu do salário de bastonário, mais de 7000 € por mês. Consegue manter o escritório aberto?
Não sabia que era tão intenso, mas não enganei. Estou a levar a Ordem a todo o lado. Há zonas do País onde o bastonário tem de ir para não se sentirem tão isolados. Sou uma espécie de caixa de reclamações móvel. Até há magistrados que nos mandam para lá reclamações. Um juiz diz que não teve papel para um julgamento ou um procurador lamenta que não teve orçamento para um oficial de justiça e teve de encerrar uma secção de baixa. Não teria esta visão do País se estivesse na sede.

36 342 advogados inscritos

  • 57% mulheres

  • 43% homens

  • 1 381 sociedades no ativo

Distribuição pelos sete conselhos regionais

  • Porto: 11 747

  • Coimbra: 3958

  • Lisboa: 17 325

  • Évora: 1365

  • Faro: 1211

  • Madeira: 464

  • Açores: 272

Por escalão etário

  • Menos de 25 anos: 70

  • Entre 25 e 34 anos: 5815

  • Entre 35 e 44 anos: 7632

  • Entre 45 e 54 anos: 11 113

  • Entre 55 e 64 anos: 7207

  • Entre 65 e 74 anos: 3050

  • Mais de 74 anos: 1455

IVA reduzido e dedução das despesas no IRS

Que marca quer deixar?
Primeiro, a recuperação das relações institucionais, nomeadamente com o Governo. Gostava de obter ganhos para a classe, contribuir para a dignificação da advocacia. Por exemplo, o facto de não haver legislação que permita a uma mulher, que acaba de ter um filho, ter um período após o parto em que não tem de fazer julgamentos. Gostava que descesse o IVA e permitisse a dedução das despesas de advogado no IRS. O Governo tem de dar uma ajuda. Gostava de conseguir uma Previdência melhor. Defendo um sistema de saúde para os advogados, à imagem, por exemplo, do SAMS [Banca]. Gostava mesmo de ter uma coisa dessas. Depois, a questão digital. Gostava que a Ordem, quando terminássemos o mandato, tivesse um balcão digital que incluísse tudo o que é relevante e permitisse o acesso aos serviços. Por último, somos o conselho geral do centenário e gostava que fosse uma ano incrível para os advogados.


Perfil

Filho único, o pai foi funcionário da Rodoviária, a mãe trabalhou em limpezas para ajudar a pagar a faculdade, João Manuel

Coronha Massano nasceu em Odivelas há 54 anos e concluiu a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Em 2004 tornou-se sócio fundador da ATMJ. Mestre em Direito, trabalha em prática individual e está ligado ao Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados desde 2011.

Sportinguista, com passado na Juve Leo, custou-lhe digerir a “traição” de Rúben Amorim.

Pai de um casal já adulto.

Entrevista por: Manuela Guerreiro

 

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