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Operação Marquês: a gota que fez transbordar o copo da justiça portuguesa

O atraso na Operação Marquês não vem dos recursos, mas o sistema judicial precisa de uma reforma. Este é o tema do Além dos Títulos desta semana

A Operação Marquês, que se arrasta há mais de uma década, tornou-se um dos símbolos da morosidade e ineficácia da justiça portuguesa.

Este processo, que envolve 28 arguidos e mais de 188 crimes, expõe as fragilidades sistémicas do nosso aparelho judicial e mina profundamente a confiança pública no sistema de justiça.

O labirinto processual

Imagine o leitor um processo judicial tão intrincado que faria o labirinto do Minotauro parecer um parque infantil.

A Operação Marquês não só revela as deficiências do nosso sistema judicial, como também levanta sérias questões sobre a eficácia da justiça em casos de alta complexidade e visibilidade.

Vamos por partes:

1. A investigação do Ministério Público prolongou-se por mais de quatro anos.

2. A defesa alegadamente criou um “carrossel de requerimentos/decisões/recursos“.

3. Em 2021, tivemos a controversa decisão do juiz Ivo Rosa, rejeitando grande parte da acusação.

4. A fase de instrução estendeu-se por cerca de três anos.

5. Vários crimes prescreveram ao longo do processo, incluindo fraude fiscal e falsificação de documentos.

O impacto na percepção da justiça

Esta saga judicial deixou uma imagem tão negativa da justiça aos olhos do público que é caso para dizer “É fazer as contas” em relação ao prejuízo causado à credibilidade do sistema.

A incapacidade de levar o processo a julgamento num prazo razoável não só minou a confiança no sistema judicial, como também levantou sérias questões sobre a eficácia da justiça em casos de alta complexidade e visibilidade.

As raízes do problema

A justiça portuguesa sofre de problemas estruturais que vão além da Operação Marquês:

1. Prazos processuais vistos como “meramente indicativos”, sem consequências reais para a maioria dos intervenientes, em particular, para o MP na fase de inquérito e para o juiz de instrução na fase de instrução. Os únicos que efetivamente cumprem prazos, sob pena de preclusão dos seus atos, são os Advogados.

2. Uso discricionário da condição de “especial complexidade” em processos que não o justificam.

3. Falta de mecanismos eficazes para controlar os prazos processuais, especialmente na fase de inquérito.

4. Resistência em separar mega processos, mesmo quando a conexão retarda excessivamente o julgamento.

Críticas à Operação Marquês

A Operação Marquês tem sido alvo de diversas críticas, que vão além da sua morosidade:

1. Falta de transparência no processo de investigação.

2. Alegações de violações de direitos fundamentais dos arguidos.

3. Dúvidas sobre a legalidade de algumas provas obtidas.

4. Críticas à condução mediática do caso, potencialmente prejudicando a presunção de inocência, especialmente considerando o envolvimento de um ex-primeiro-ministro.

O papel dos recursos e reclamações

É importante ressaltar que, embora os recursos e reclamações dos Advogados sejam frequentemente apontados como a principal causa dos atrasos processuais, esta é uma visão simplista e muitas vezes equivocada.

Na realidade, estes procedimentos legais são apenas a “gota que faz transbordar o copo” de um sistema já sobrecarregado e ineficiente.

Factores que contribuem para os atrasos:

1. Complexidade intrínseca do caso, frequentemente agravada pela necessidade de interação com múltiplas jurisdições, o que resulta em procedimentos mais morosos e intrincados

2. Limitações de recursos humanos e materiais do sistema judicial

3. Burocracia excessiva nos procedimentos

4. Falhas na gestão processual

5. Acumulação de processos nos tribunais

Os recursos e reclamações dos Advogados, longe de serem a causa única e exclusiva dos atrasos, são na verdade instrumentos legítimos e necessários para garantir os direitos dos arguidos e a integridade do processo judicial.

Culpabilizar exclusivamente estes mecanismos legais é desviar a atenção dos problemas estruturais que realmente afectam a eficiência da justiça portuguesa.

É fundamental reconhecer que um sistema judicial eficaz deve ser capaz de lidar com estes procedimentos de forma ágil, sem que isso comprometa a celeridade processual.

A solução passa por reformas estruturais que melhorem a eficiência do sistema como um todo, e não por limitar os direitos de defesa dos arguidos.

A necessidade urgente de reformas

A Operação Marquês evidencia a urgente necessidade de reformas no sistema judicial português.

É fundamental implementar mecanismos mais eficientes para:

1. Gerir processos complexos, estabelecendo limites claros para recursos e reclamações.

2. Garantir o cumprimento de prazos processuais com consequências reais para a sua violação.

3. Reforçar o compromisso do Ministério Público com o princípio da legalidade na obtenção de provas.

4. Implementar sistemas de controlo e responsabilização pelo não cumprimento de prazos em todas as fases processuais.

5. Promover a separação de mega processos quando necessário para garantir a celeridade da justiça.

Conclusão

A Operação Marquês tornou-se um ponto de viragem na percepção pública da justiça portuguesa.

As lições aprendidas com este caso devem informar futuras reformas para garantir uma justiça mais célere e eficaz, sem comprometer os direitos dos arguidos ou a integridade do processo judicial.

É imperativo restaurar a confiança dos cidadãos no sistema de justiça, assegurando que casos futuros não se arrastem por décadas sem resolução.

Caso contrário, corremos o risco de ver a justiça portuguesa transformar-se num entrave permanente ao desenvolvimento do país.

Contudo, é crucial reconhecer que enquanto se continuar a falar em “reforma da justiça” como um todo, provavelmente não se reformará nada.

Devemos começar a reformar “justiças”, no sentido de implementar reformas específicas por áreas do direito.

Uma abordagem mais focada e pragmática poderá trazer resultados mais tangíveis e imediatos.

Talvez seja prudente iniciar este processo pelas áreas da justiça familiar e penal, onde a celeridade e eficácia são particularmente críticas para o bem-estar dos cidadãos e para a manutenção da ordem social.

Ao concentrar esforços em áreas específicas, poderemos obter melhorias significativas e mensuráveis, criando um efeito dominó positivo que, eventualmente, se estenderá a todo o sistema judicial.

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